Égregora de mendigos: parte 6
Tem essa hipótese conspiratória e absurda de que estamos num reality show à la “O Show de Truman”. O Uruguai nos deu essa impressão. (Já estamos na Argentina, mas ainda estou escrevendo sobre o Uruguai.)
E compartilhamos, então, a paranoia cômica de sermos nós os protagonistas de um programa com os intentos megalomaníacos do filme estrelado por Jim Carrey, combinado com as características das séries de aventura da Discovery.
Toda a graça de mirabolar essa ilusão dantesca começa e termina com as paisagens uruguaias. As cidades litorâneas menores e as estradas que ligam umas às outras parecem ser, todas, cenográficas. As rodovias, por exemplo, estão sempre vazias. Quase não há carros e pessoas passando – apenas vacas, cavalos, ovelhas e casinhas modestas espalhadas pelos vastos campos; e, repito, todo esse horizonte amplo e silencioso é uma espécie de miragem cenográfica. Qual um cenário gigantesco perfeitamente elaborado, construído e produzido para um projeto audiovisual milionário, onde nós três, sem sabermos, somos os participantes principais.
Egotrip e paranoia à parte, a verdade é que, comparada até mesmo às pequenas cidades brasileiras, o Uruguai é um país minúsculo e vazio. São três milhões de habitantes num território menor que o estado do Rio Grande do Sul. Fica a impressão de que o pessoal daqui se reproduz muito pouco.
E mesmo assim a gente cisma: serão os olhos dessas vacas que nos observam nos pastos câmeras escondidas que transmitem o tal programa? Essas casinhas, um trabalho impecável de direção de arte? Esse céu azul tão aproximado e vivo não é somente um céu de chromakey? Não são figurantes essas pouquíssimas pessoas e carros que nos atravessam sem dizer nada?
Seja o que for, a produção está de parabéns!
Rosário, Argentina – 25 de maio de 2018