A antiga Iugoslávia – território formado por seis repúblicas (Sérvia, Croácia, Montenegro, Eslovênia, Macedônia e Bósnia e Herzegovina) e duas províncias autônomas ligadas à Sérvia (Kosovo e Vojvodina) – marcou minha vida, especialmente pelas fantásticas equipes nacionais de esportes coletivos como basquete, futebol e polo aquático. Além disso, meu avô paterno nasceu em Trieste, cidade italiana na fronteira com a Eslovênia.
Nos anos 90, o processo de independência das repúblicas foi marcado por questões políticas e pelas sangrentas Guerras da Croácia e da Bósnia e Herzegovina. Em 1998/1999, algo similar se passou na província autônoma de Kosovo, com o combate entre a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) e a República Federal da Iugoslávia (formada por Sérvia, Montenegro e Vojvodina, além do Kosovo). O acordo de paz que pôs fim à Guerra do Kosovo ocorreu em junho de 1999 por meio da Resolução nº 1.244 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, que instaurou o Unmik (United Nations Interim Administration Mission in Kosovo), governo provisório sob tutela da ONU (Organização das Nações Unidas).
Eu já tinha visitado alguns países da antiga Iugoslávia, mas queria muito ir para a República do Kosovo, porque nos últimos oito anos, conheci diversos kosovares que deixaram seu país para viver em outros lugares do mundo (sendo a Suíça, a Alemanha e os Estados Unidos os principais destinos). Dentre eles, destaco a Dorina, uma grande amiga. Posso dizer que os kosovares foram fundamentais para a minha viagem, pois além de me darem dicas preciosas, me apresentaram para pessoas que ainda viviam na República do Kosovo. Assim, em outubro de 2017, eu e Saam – um amigo brasileiro – embarcamos para a capital, Pristina.
Quando estive lá, a República do Kosovo já era independente da Sérvia havia quase 10 anos (ela declarou-se unilateralmente independente em 17 de fevereiro de 2008). A independência foi reconhecida diplomaticamente por 53% dos membros da ONU, mas não pelo Brasil. O território foi dividido em sete distritos e, hoje, possui cerca de 1.800.000 habitantes, sendo mais de 90% deles albaneses (albanês é o principal idioma). Apesar de a maior parte da população ser muçulmana, o território é reconhecido pela tolerância religiosa. E algo interessante é que apesar de não fazer parte da União Europeia, a moeda oficial é o Euro, introduzido em 2002 por um acordo de cooperação com o Banco Central Europeu.
Foi incrível sobrevoar a Península Balcânica e ter uma vista fantástica dos Alpes Dináricos. Os três dias que passamos no país foram bastante intensos e bem aproveitados. Pristina foi a nossa base para visitarmos os distritos de Gjakova e Prizren.
Os amigos locais nos passaram o contato de Vlaznim, um motorista de táxi muito carismático. Quando dissemos que éramos brasileiros, o primeiro comentário que ele fez foi sobre a novela O Clone (e não sobre futebol como é de praxe). A trilha sonora em nossos passeios para fora da cidade também me marcou: ouvimos várias músicas dos nostálgicos anos 80 (Rick Astley, Erasure, Aha, etc.), o que provou que cultura é algo universal.
Pristina
Na capital, Pristina, avistamos bandeiras da Albânia, da ONU, dos Estados Unidos e da União Europeia em vários pontos. Andamos pela rua de pedestres Sheshi Nena Tereze (Boulevard Madre Tereza), bastante movimentada tanto durante o dia quanto à noite, devido aos diversos estabelecimentos comerciais, como restaurantes, cafés e pubs com música ao vivo, jazz, ritmos latinos etc. Essa é uma área recomendada para saborear pratos locais, como o delicioso Pite de espinafre (torta), a Flija (panqueca), o saboroso qebapa (carne de cordeio, vitela, porco ou vaca com pão e cebola), além da cerveja Peja.
O monumento Newborn, localizado em frente ao Pallati i Rinise (Palácio da Juventude e Esportes), foi concebido em cerca de 10 dias e inaugurado em 17 de fevereiro de 2008, Dia da Independência. Também subimos na torre da catedral Santa Tereza de Calcutá, de onde se tem uma linda vista de Pristina (imperdível!).
Vale a pena visitar, ainda, a Biblioteca Nacional, que fica no campus da Universidade de Pristina. Projetada por um croata e inaugurada em 1982, ela tem uma arquitetura considerada peculiar, que desperta reações diversas em quem a visita. Na década de 1990, ela foi utilizada para abrigar refugiados da Croácia e da Bósnia e Herzegovina e, anos depois, com o fim da Guerra do Kosovo, foi transformado pela Otan no centro de comando do exército da Iugoslávia.
Outro local que indico é o Germia, um parque bem arborizado fora do centro da cidade, ideal para praticar esportes e relaxar, ou até mesmo tomar um café ou almoçar. Quem tiver tempo sobrando pode ir ao museu etnográfico de Emin Gijku e ao santuário dos ursos, nas proximidades da capital.
Prizren
A 85 km de Pristina, encontra-se a belíssima Prizren, que possui grande influência do Império Otomano. O que mais me chamou a atenção foram as pontes (as mais antigas são de pedra) e a quantidade de pessoas que, mesmo no outono (com cerca de 15ºC), estava sentada em mesinhas na calçada nos cafés, restaurantes e bares da cidade. Ao caminhar pelo centro deparamos com uma fonte conhecida localmente pelo ditado “se você beber a água da fonte vai se casar com uma pessoa da cidade”.
O Dokufest – Festival Internacional de Documentários e Curta Metragens – realizado no mês de agosto desde 2002 – é muito importante para o reconhecimento internacional de Prizren. E o fato de a região ter sido um centro cultural e intelectual durante o Império Otomano é claramente percebido ao se escutar o idioma turco por toda a cidade. Além disso, a mesquita Sinan, construida em 1615, o banho e o chá turco estão entre as principais atrações.
Ao andar pelas margens do rio Prizren Bistrica chega-se ao parque Marash (que em persa significa “lugar de brisa ») com vários monumentos arquitetônicos. Interessante visitar Lidhja Shqiptare e Prizrenit, museu situado no local onde, entre 1878 e 1881, ocorria a Assembleia da Liga pela Defesa dos Direitos da Nação Albânia.
A Fortaleza de Prizren (Kaljaja), uma construção medieval que fica a 525 m de altura, é impactante! Caminhamos cerca de 20 minutos até o topo da montanha. Lá, além de percorrermos o forte, contemplamos a cidade e apreciamos o pôr do sol.
Gjakova
Gjakova está a cerca de uma hora e meia de Pristina e foi um importante centro comercial na região balcânica durante o Império Otomano. A cidade foi muito afetada na Guerra do Kosovo: várias casas e muitos monumentos foram queimados e danificados, como a Mesquita de Hadum e o centro velho Çarshia e Madhe, que tiveram de ser reconstruídos.
O meu grande objetivo em Gjakova era conhecer a família de Dorina. Ela e um dos irmãos nasceram na província autônoma do Kosovo durante a separação da Iugoslávia, mas como se mudaram para a Croácia em 1991, o pai deles serviu o exército para separação da República Croata. Anos mais tarde, durante a Guerra do Kosovo, o pai foi para a Albânia e se tornou membro à distância da equipe que fornecia ajuda para os kosovares que sofriam com a guerra.
Foi emocionante conhecer uma família que vivenciou momentos tão tristes da história da humanidade, perdendo muitos amigos. A ótima comunicação em inglês com os irmãos de Dorina, Drilon e Agaton, e a hospitalidade oferecida por seus pais me marcaram bastante. Ainda recebi de presente uma garrafa de Rakija – a tradicional bebida da Península Balcânica – caseira.
Quando menciono que estive na República do Kosovo (ou apenas Kosovo para aqueles que não aceitam a independência), muita gente se espanta, por ser uma região ainda pouco explorada turisticamente por conta da guerra recente. Mas meu objetivo é desbravar o mundo sem restrições e preconceitos. E acredito que quando se tem amigos locais a experiência se torna ainda mais rica e, posso dizer, inesquecível!