A Galícia é reconhecida como uma das melhores regiões para o turismo termal da Espanha. Mas, a região oferece muito mais que lazer e bem-estar. Ao sair do conforto e aconchego de um dos balneários locais para desbravar o entorno composto por comunidades do período medieval, o turista vai perceber que o espanhol usado pela população é mais fácil de entender. Ali se fala o galego. Na Espanha, desde a constituição de 1978, existem comunidades autônomas como a Catalunha, Andaluzia, País Basco entre outras, que dividem com o castelhano o seu próprio dialeto como língua oficial. A Galícia é uma comunidade.
Estando ali, logo se observa a diferença, uma vez que a letra ‘J’ praticamente desaparece do alfabeto. Ao rodar de carro pelas estradas nota-se que nas placas de sinalização, o ‘J’ é substituído pelo ‘X’, dentro da fonética galega. A palavra ‘calle’ é trocada por ‘rua’ e outras tantas. Ao contrário do resto do país, o povo galego entende perfeitamente o português, o que facilita demais o contato.
A cidade de Ribadávia, a poucos quilômetros dos balneários, atingiu seu esplendor durante a Idade Média (1064 a 1071), quando se tornou a capital do Reino da Galiza. Ainda hoje é possível conhecer parte da muralha medieval construída em 1157, as ruínas do castelo dos Condes de Ribadávia (que deram nome à cidade) e o bairro judeu.
E por falar na comunidade judaica local, nos anos 1940, viviam no bairro medieval, as irmãs Touza (Lola, Amparo e Julia) em algo parecido com um casino que, juntas, geriam o quiosque da estação de trem. Eram, segundo dizem, dadas ao desfrute do corpo, tanto que fotos de Lola, uma bela mulher, chegaram a circular pela frente republicana para animar os soldados. Lola tinha um filho de pai desconhecido. Dele nasceu o único descendente vivo, Júlio.
Em 2008 a cidade se surpreendeu com a chegada de grupos de sobreviventes do holocausto nazista para prestar homenagem às irmãs Touza. Foi então que todos souberam que, durante a guerra, Lola e as irmãs ajudaram mais de 500 judeus poloneses e húngaros a fugir para a América. Elas pertenciam a uma rede de colaboradores que não concordavam com a perseguição nazista aos judeus.
Ao vender caramelos e biscoitos dentro dos vagões dos trens na estação, tomavam conhecimento da chegada de fugitivos e os abrigavam na própria casa. Depois de alimentados eram encaminhados por trilhas até chegarem ao porto e, com auxilio de um comandante de navio, embarcavam com documentos falsos em direção à liberdade no continente americano.
Hoje, uma placa comemorativa homenageia as Touza. Lola morreu em 1966, Amparo em 1981 e Julia em 1983, sem que nada fosse revelado. Até o neto desconhecia o feito. Diretores de cinema famosos tentam autorização para contar a história ao estilo ‘lista de Schindler’, sem sucesso.
Caminhar pelos labirintos da parte medieval da cidade é entrar em contato com essas histórias. Comece pela Plaza Mayor. Vá em direção da Igreja de La Magdalena, na praça com o mesmo nome, usada pelos judeus convertidos ao cristianismo durante a Inquisição. Visite também a Igreja de Santiago, erguida entre os séculos XII e XIII. Atualmente apenas uma missa por ano é rezada no local, em 25 de julho, dia de Santiago de Compostela e da Galícia. Do alto da muralha admire o caudaloso rio Ávia.
Encerre o roteiro nessa parte da cidade na Tafona de Hermínia, e saboreie 11 sabores de doces de origem judaica. Hernínia é uma senhora simpática de bastante idade. Cristã, sempre foi curiosa em conhecer mais a gastronomia sefardi, dos descendentes de judeus na Península Ibérica. Rabinos de várias partes do mundo já estiveram no local e reconheceram a qualidade do sabor e a fidelidade do padrão de confecção dos doces. Experimente o pastel. É uma delícia.
Ribadávia é uma região de produção de vinhos. Aproveite para visitar a Bodega e Vinhedos Pazo de Casanova. Lá é possível visitar plantações das uvas teixadeira, godelho, albarinho e loureira, que são transformadas em vinhos saborosos.
A viagem é sempre mais gratificante quando conseguimos juntar o útil ao agradável e adicionar a este roteiro fatos históricos pouco conhecidos.