A mentira tem perna curta, como já diziam nossos pais e avós, isso dá a entender que uma hora ou outra o mentiroso vai ser descoberto, mas a verdade é que nem sempre isso é uma tarefa simples. Alguns podem ficar vermelhos, desviar o olhar ou então começam a suar, mas essas ações, por vezes invonluntárias, não são o bastante para incriminar alguém e a mentira pode estar muito mais relacionada com o nosso cérebro do que com o nosso corpo.
Segundo a Dra. Bruna Velasques, quando contamos uma mentira que visa o benefício próprio, ativamos em nossas cabeças o que é chamado de cérebro social, o mesmo responsável pelos sentimentos de culpa ou vergonha. Partes do nosso cérebro, como o córtex cingulado anterior e estriado ventral, são mais estimuladas principalmente quando mentiroso obtém sucesso. “A mentira, quando ela não é descoberta, nós vemos uma repetição desse comportamento, que está relacionado com o aumento da atividade do córtex cingulado anterior e do estriado ventral […] então eles tem essa participação em termos da motivaçao, do reforço, do prazer em sair ileso e contribuem para a formação do hábito”, explica a também professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Outra parte do cérebro que também está ligada à mentira é a amígdala, relacionada ao aprendizado do medo e à ansiedade. A doutora conta que ocorre uma diminuição da atividade da amígdala conforme a pessoa cria o hábito de mentir, ou seja “ela vai realmente perdendo o medo”. Logo, quanto mais uma pessoa mente, mais chances ela tem de continuar mentindo.
Já a mentira inocente, que contamos para não magoar alguém, por exemplo, aciona a ínsula, parte do cérebro que está relacionada aos sentimentos de caridade e preocupação com o próximo. “A ínsula está associada àquela mentira que é necessária socialmente. Então, é a mentira que, em tese, não teria uma maldade, mas ela é dita para manutenção de comportamentos e de convívio social.” explica a doutora Bruna.
Em alguns casos, quando alguém conta uma mentira, é comum ela ter as respostas corporais citadas no início do texto, mas isso não está ligado à desonestidade em si. Essas ações do nosso corpo são sintomas de medo ou nervosismo. Segundo a doutora, esses “são sinais falhos, porque eles não identificam uma mentira. A pessoa pode estar nervosa, simplesmente, porque está sendo avaliada.” Esse é o principal motivo que torna os polígrafos, também conhecidos como detectores de mentira, máquinas pouco confiáveis em situações como essa.
O que é e como funciona um polígrafo
O seu nome resume a sua função: poli significa muitos e grafo vem de escrita, ou nesse caso, gráficos. O polígrafo é uma máquina que é ligada à uma pessoa durante um interrogatório policial (ou em uma entrevista para o Pedro Bial) e faz a medição de algumas atividades corporais, como pressão arterial, rítimo de respiração, condutividade da pele e temperatura. De maneira simultânea, a máquina escreve em gráficos as variações de cada uma dessas atividades, afim de detectar sintomas de sentimentos como medo, ansiedade e nervosismo.
O primeiro a tentar descobrir mentiras a partir das atividades do nosso corpo foi o americado William Moulton Marston, o mesmo que criou a personagem Mulher Maravilha. Marston era psicólogo e criou, em 1913, um método onde ele media a pressão arterial sistólica enquanto a pessoa era submetida à algumas perguntas. Se a pressão subisse muito então, a pessoa estava mentindo.
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Anos mais tarde, em 1921, o policial forense, John Larson, aprimorou o teste, criando uma medição contínua através dos gráficos. Logo, Larson comoçou a utilizá-lo nas investigações da Polícia de Berkley, Califórnia. A partir daí o dispositivo foi sendo atualizado e passou a medir, além da pressão sanguínea, o aumento do suor nos dedos e a intensidade da respiração, mas a sua confiabilidade sempre foi baixa.
No Brasil, assim como em boa parte do mundo, o polígrafo não é aceito em investigações. A perita, Dra. Marta Gargaglione, explica que isso gera polêmicas, mas que prevalece a opinião da comunidade científica de não confiar no aparelho, devido diversas situações onde a máquina apresentou resultados enganosos, chamados de falsos negativos e falsos positivos.
Marta, que também é fonoaudióloga, afirma que o aparelho consegue sim identificar se há algum nervosismo da pessoa, mas o que interessa para investigação é a origem desse medo. “Uma pessoa pode sentir medo de ser pega em uma mentira, mas também ter medo por se sentir ameaçada, ambos vão estimular a resposta básica da pessoa que é o medo. Agora a motivação desse medo é diferente e esse equipamento (polígrafo) não consegue diferenciar o que provocou aquela resposta. Diante disso e do que se tem como estudo é impossível basear uma conclusão em cima de algo com tão baixa confiabilidade cinetífica, o que faz com que ele não seja usado nos tribunais”, explica a doutora.
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Como detectar uma mentira?
Embora polígrafo não seja confiável para detectar mentiras, existem outros métodos que ajudam a identificar um mentiroso. Um deles, explicado, pela perita é o de pedir para a pessoa contar a história de trás para frente: “A mentira se constrói em ordem cronológica. Então se nós pedirmos para o suspeito contar de trás para frente uma história ele acaba caindo em contradição e ficando confuso.” Segundo ela, os mentirosos também podem apresentar alguns sinais que podem sugerir que ele está mentindo, como exagero na utilização de humor ou sarcasmo, repetição da pergunta no lugar da resposta, pausas prolongadas e acréscimo de informações desnecessárias.
A fonoaudióloga destaca os padrões de comportamento. Pessoas possuem certos padrões que se alteram durante uma situação de mentira ou desconforto. Por exemplo, alguém mentindo pode olhar diretamente no seu olho, mas quando conta a verdade pode parecer evasivo ou inquieto. Um investigador tem que ficar atento a esses pequenos desvios, como pausas antes de uma resposta. Segundo a perita esse é o momento que o cérebro precisa para fabricar dados e formular uma mentira.
Ainda existem os especialistas em microexpressões, que são pessoa treinadas e capacitadas que identificam certo sentimentos, como nojo, alegria e prazer, através da linguagem corporal. A fonoaudióloga explica que essas expressões estão ligadas à uma linguagem base da espécie humana, que facilita a comunicação com pessoas de outra língua, por exemplo. Mas, em sua opinião, mesmo esse método sendo mais confiável que um polígrafo, ainda é preciso ficar atento aos costumes socioculturais de quem está sendo interrogado: “em uma cultura uma atitude pode ser considerada prazerosa, mas em outra pode gerar nojo”, comenta Marta.
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Por fim, apesar dos costumes culturais que podem trazer uma nebulosidade ao tribunal, a perita afirma que “humanos são os melhores leitores de outros humanos”. E para minimizar erros nessa complexa leitura a “melhor forma é você ter um material vasto para que você possa avaliar aquela pessoa nos diversos momentos dela de comunicação. Aí sim você vai ter uma análise descritiva daquilo que se desvia do padrão comunicativo dela”, finaliza a doutora Marta Gargaglione.
Se você ainda está interessado no assunto, confira o podcast que gravamos com o Dr. Leopoldo Fulgêncio, professor de psicologia da USP. Nele, discutimos um pouco mais sobre a mentira do ponto de vista psicológico e se existe alguma fórmula para identificar um mentiroso.