Mapumalém: terra de mulheres fortes

26 de fevereiro de 2018
Yngrid Corsini

O programa que eu trabalhei chama-se Mapumalém e funciona como um internato para jovens meninas de 12 a 20 anos, com consumo problemático de álcool e outras drogas, e a maioria delas, também em conflito com a lei.

Eu tinha acabado de terminar minha graduação em Jornalismo e passava por uma época em que eu não fazia a mínima ideia do que fazer com minha vida.  No meio dessa tensão, eu decidi que precisava de um tempo para mim. E também ser útil na vida das pessoas. Na verdade, esse sentimento de querer ajudar sempre esteve presente nos meus dias, resolvi então transformá-lo em ação.

Assim, no dia 14 de março de 2016, eu embarquei para Santiago. Iria trabalhar como voluntária por um mês e meio em um projeto social. A Fundação Parêntesis foi a ONG que me recebeu. Lá, eles trabalham, especificamente, no auxílio a pessoas em situação de pobreza e exclusão social. Lidando com consumo problemático de álcool e outras drogas, ou jovens em conflito com a lei. Ela é uma instituição que funciona como um braço de uma organização maior, chamada Hogar de Cristo. A missão é auxílio ao pobre, de todas a idades, com vários tipos de projetos para atendê-lo nas mais variadas necessidades.

A fundação gere mais de 20 programas diferentes em todo o território chileno. São programas terapêuticos só de homens, de mulheres, de jovens ou moradores de rua, alguns são internatos, outros são como pontos de apoio abertos durante o dia. Cada um tem sua diretriz e trabalha com focos específicos de acordo com o público e o objetivo, mas todos com a mesma missão.

Aos poucos se ganha confiança

Além de mim, mais duas voluntárias trabalhavam no programa Mapumalém, uma brasileira e uma alemã. Nossa função consistia em assistir aos psicólogos e terapeutas em atividades, tais como pintura, exercícios e coisas do gênero. Além disso, nós elaboramos oficinas e todos os dias fazíamos dinâmicas. Organizamos aulas de cultura, brasileira e alemã, e idioma, português e inglês. Eu ensinei também alguns exercícios de teatro e dança.

No começo, as meninas eram muito desconfiadas. Elas não se abriam e nem davam oportunidade para que a gente conversasse com elas. Isso foi aos poucos se desfazendo, quando todas as manhãs sentávamos juntas na varanda e escutávamos reggaeton, ou pedíamos que elas nos ensinassem a falar espanhol. Em pouco tempo elas já nos viam como amigas e nos falavam de seus amores e ambições. Algumas eram mais envolvidas e carinhosas, outras ficavam mais longe, apenas observando.

A maioria delas possuía histórico de abusos, violência e conflitos com a lei. Eram usuárias de pasta base e cocaína, algumas tinha começado a usar as substâncias ainda criança. Elas dormiam no Mapumalém durante a semana e no final de semana passavam com suas famílias. O tratamento oferecido para elas não era de desintoxicação, mas um apoio psicológico para que aprendessem a lidar com a droga em suas vidas. Uma vez que a realidade de sua comunidade, da família ou amigos continua o mesmo,  elas têm que enfrentar mais cedo ou mais tarde  a vida fora da proteção da fundação.

Mulheres fortes e guerreiras em Mapumalém

Ao todo eram 10 meninas, a mais nova tinha 12 anos e a mais velha 19. Meninas que apesar de serem ainda muito novas já tinham apanhado muito da vida. Elas aprenderam nas ruas e da maneira mais difícil possível, a força que existe dentro delas sobre resiliência e superação. Algumas não sabiam ler mas mesmo assim sonhavam em se tornar profissionais dedicadas. Perseguiam seus sonhos, com a determinação e da maneira que achavam que podiam e deviam. Mulheres fortes e guerreiras, que em suas simplicidades, me fizeram perceber que eu, mesmo tendo todas as oportunidades, não possuo a garra que elas têm para lutar, nem a paixão pela vida que as motiva. Entendi que tudo o que eu tinha para ensinar, não foi nada perto do que aprendi em tão pouco tempo. Aprendizados que mudaram minha visão do mundo, sobre mim e sobre o outro.  

Foto dos voluntários em Mapumalém.

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