Algumas coisas na vida servem como lições. Sempre que eu escutava “Alucinação” de Belchior sentia a beleza poética de sua construção, e me identificava muito com a letra de sua canção. Concordava quando ele dizia que “a minha alucinação é suportar o dia-a-dia e meu delírio é a experiência com coisas reais”. Mas de alguma forma eu não sabia porém se já havia experimentado. Me peguei pensando em como quando viajamos nos abrimos ao mundo de uma maneira tão bonita. Abrimos nossos sentidos às cidades e suas cores e mais que isso, nos interessamos pela história dos que ali vivem.
No fim do expediente de uma terça-feira qualquer, um estalo me ocorreu. Sentia falta do abraço do mundo que as viagens proporcionam. Mas não estamos nós em uma eterna viagem? Resolvi viver além da rotina e do piloto automático. Não sabia bem o que fazer. Mas esse dia não entrei no metrô.
Andei devagar pelas ruas sentindo o vento que estava fresco, reparando em prédios e movimentos. Olhando nos olhos das pessoas e sorrindo ao encontrar olhares. Andava feito criança que dá suave pulinhos ao passear. De repente pulou um rapaz na minha frente interrompendo minha caminhada. Falava um “portunhol” e me chamava para ver seu trabalho. Sorri. Respondi em espanhol e aproveitei para desenferrujar o idioma. Conheci Joel, conversamos por mais de uma hora. Histórias de um peruano que há 7 anos mora em São Paulo e trabalha criando e vendendo artesanato na Av. Paulista.
Eu já me sentia feliz por esse carinho do mundo em conhecê-lo, e poderia ir para casa. Mas algo me impelia a continuar a aventura do cotidiano. Parei em uma lanchonete/boteco que existe só aqui em São Paulo. Sentei em uma cadeira de madeira na calçada da Augusta para comer uma coxinha de frango e tomar uma cerveja. Sabia que era questão de tempo até alguém passar me pedindo alguma coisa. Dito e feito. Logo um senhor parou na minha frente dizendo que estava com fome e me pedindo ajuda. Sorri. Paguei um prato de comida, sentei ao seu lado e conheci Marcos. Um carioca que há mais de 20 anos mora nas ruas de São Paulo. Mais um bom tempo de conversa e conheci outra história. No final ele me cumprimentou e agradeceu… pela conversa!
Agora sim, eu estava mais que satisfeita por tantas lições de vida. Fui até o caixa pagar a conta, porém o sistema do cartão estava fora do ar. Resolvi tomar mais uma cerveja e esperar o sistema voltar. “E eu que vou trabalhar até de madrugada?” Percebi que um senhor de mais de 70 anos, barba branca e usando uma boina vermelha, puxava assunto. Mal ele sabia na enrascada que entrava. Perguntei sobre sua infância, sobre sua juventude, sobre seus medos e profissão. Seu Canuto falava pausado e com paciência a tanta curiosidade.
Sabe, a maior das lições é compreender de forma tão simples como quando ao se abrir para o mundo ele gentilmente se abre para você. As histórias importam e ao se desenrolar na sua frente você pode entender quão diferentes as pessoas são, então aprende a não apenas a respeitar, como amar o próximo. Agora sim eu entendo Belchior e “eu não estou interessada em nenhuma teoria, amar e mudar as coisas me interessa mais.”