Começar um negócio é sempre uma tarefa difícil, mas para as mulheres empreendedoras pode ser ainda pior. Atualmente elas representam aproximadamente 33,6% do total de donos de empreendimentos no país, segundo pesquisa do SEBRAE nacional realizada no final do ano passado. Comparado a 2019, esse número caiu cerca de um por cento, interrompendo uma crescente constante que acontecia desde 2016. Para os pesquisadores, essa queda deve-se, principalmente, aos traços da cultura brasileira que responsabiliza as mulheres por grande parte do trabalho doméstico.
Isso reflete na jornada dupla de trabalho das mulheres. Um estudo feito pelo IBGE aponta que em 2019, os homens se dedicaram cerca de 10,4 horas a menos do que mulheres. Vale lembrar, que com o isolamento social promovido pela pandemia, as crianças passaram mais tempo em casa e os idosos necessitaram de maior atenção, comprometendo a dedicação das empresárias brasileiras.
Além do acúmulo de tarefas, também existe o machismo recorrente no meio empresarial. Segundo dados do IBGE, no ano passado, as mulheres que possuem cargo de gerência ou diretoria ganharam cerca de 61,9% do salário dos homens. Ou seja, a soma de todos os salários de todas diretoras ou gerentes do sexo feminino é um pouco maior que a metade da soma de todos os salários dos homens que ocupam os mesmos cargos.
Exemplos de inovação e superação
Algumas mulheres empreendedoras contrariaram as estatísticas e tiveram a iniciativa de começar um novo negócio, mesmo com todas as dificuldades do cenário atual. Como é o caso de Sophia Prado, CEO e uma das fundadoras da startup FREELAS, plataforma exclusiva para mulheres que conecta empresas e pessoas que procuram serviços às profissionais freelancers da área criativa.
Embora a ideia do projeto já existisse antes da pandemia, ela só foi colocada em prática em julho de 2020. E o momento não poderia ser mais oportuno, com a falta de empregos no mercado, a FREELAS “surge como uma necessidade”, como descreve a própria Sophia.
Mesmo com uma proposta inovadora, as mulheres empreendedoras tem dificuldades para começar seu negócio no Brasil. Por aqui, segundo o estudo feito pela Female Founders, somente 4,7% das startups nacionais são fundadas exclusivamente por mulheres. Sophia conta que no começo já foi desdenhada por ser mulher e ressalta o quão desgastante é para ela, e para outras mulheres, ser questionada o tempo todo sobre sua capacidade como profissional: “É impressionante você ver mulheres falarem de seus negócios com muita dificuldade. Aí você vê certos homens, que nunca ouviram falar sobre o negócio da mulher, querendo dar soluções e ensinar as mulheres como lidar com sua empresa sem nem saber do que se trata. Eu passei por isso e vi ocorrendo várias vezes”.
Diferente de Sophia, Stephani Oliveira já possuía a Aseyori, sua loja virtual de moda afro, antes da pandemia e conciliava o trabalho em uma imobiliária com as vendas do seu negócio. Com o isolamento, ela perdeu um dos pontos fortes de suas vendas: as feiras. “Eu vendo bastante nas feiras e alcanço um público que eu não alcanço nas redes sociais. A minha faixa etária de clientes é enorme, vai desde recém nascidos até 60 e 70 anos e as clientes acima dos 60, eu não consigo alcançar nas redes sociais”, explica a empreendedora.
Mesmo com as adversidades e a redução do público, Stephani conseguiu dar um passo à frente e em setembro de 2020, ela abriu a sua fábrica e transformou sua loja virtual no seu único trabalho. O dinheiro para o investimento veio através de um financiamento coletivo na internet, e em apenas 20 dias ela conseguiu os nove mil reais necessários para expandir seu negócio.
Com a compra da fábrica, Stephani expandiu seus negócios e passou a confeccionar também calçados. Com isso, passou a negociar seus materiais com grandes fornecedores, e foi aí que começou a sentir o preconceito dentro do mercado: “Negociar com mulheres é muito mais fácil. Sempre que vou comprar material pros calçados, os fornecedores são homens e eles sempre me questionam: ‘Você trabalha pra quem?’ Eu trabalho para mim, é a minha fábrica”, conta Stephani.
Como foi o impacto da pandemia para as mulheres empreendedoras?
Para a dona da Aseyori, no começo foi bem difícil. Ela conta que logo no começo da pandemia, precisou tirar o filho de três anos da escola e mesmo com a ajuda do marido, o trabalho na imobiliária, somado às responsabilidades com o filho e os pedidos da loja gerou um grande estresse. Isso foi crucial para ela decidir o seu futuro, mas diferente do que apontam as estatísticas, ela decidiu abandonar o emprego e seguir com a sua empresa. “Focar na loja foi melhor pra mim. Embora eu não tenha renda fixa, eu tirei uma responsabilidade grande e pude focar no que eu amo. Isso também ajudou no meu relacionamento com minha família”.
Foto: Stephani Oliveira/ Aseyori
Na loja, a presença do filho é constante. Stephani explica que ele sempre está presente nos stories e já é conhecido das clientes. E como empresária destaca: “Aseyori é um ambiente familiar”, logo não podia faltar um espaço para o filho dentro da nova fábrica. “A gente montou um espacinho pra ele lá. Colocamos uma cama e um cantinho com brinquedos pra ele brincar enquanto eu e minha mãe trabalhamos”, conta Stephani.
Sophia Prado, diferente da sua colega empreendedora, contou que já estava acostumada a trabalhar de casa. Como não tem filhos ou marido, diz que não sentiu grandes dificuldades ao adaptar o trabalho ao período de isolamento social. Entretanto, como gestora e líder, teve que fazer o possível para auxiliar suas colaboradoras nesse processo de adaptação. “Nem todas as pessoas dispõem de um bom ambiente para trabalhar em casa. Como a gente sabe, as mulheres ficaram ainda mais sobrecarregadas na pandemia e a jornada de trabalho sempre foi só mais uma jornada na vida das mulheres e agora isso ficou ainda mais delicado. Temos duas colaboradoras que são mães e sabemos que esses casos são ainda mais delicados, pois não sabemos se elas podem contar sempre com o companheiro ou pai da criança”, explica a CEO da FREELAS.
Sophia destaca que o isolamento social promovido pela pandemia foi algo desafiador. Ela conta que a saúde mental das funcionárias foi muito afetada e ela teve que assumir um papel de conselheira e ouvinte. A gestora diz que: “Tive que assumir ser um pouco coach nesse momento. Sempre fiz questão de estar muito próxima das colaboradoras e elas se sentem confortáveis de dividir suas angústias comigo. Nós estamos lidando com uma carga emocional muito grande e é bem delicado porque você lida com problemas de ansiedade, depressão, desestímulos.”
A situação é difícil e o caminho para igualdade de gênero no ambiente profissional parece distante. Mas mesmo com esse cenário desfavorável, mulheres empreendedoras como Stephani e Sophia são como uma luz no fim do túnel. Stephani destaca que o sonho da independência financeira e a vontade de dar um futuro melhor para o filho foi, e ainda é, o que mais a motiva para continuar. Sophia destaca que esse momento especificamente servirá como aprendizado, e ela e outras mulheres sairão ainda mais fortalecidas.