O reggae é o maior responsável por levar a bandeira jamaicana mundo à fora. O ritmo ficou conhecido através de artistas como Jimmy Cliff e Bob Marley, popularizando a cultura da Jamaica e os ensinamentos rastafari. Porém, este estilo musica nasceu de uma mistura de outros ritmos que fazem parte da história dessa ilha caribenha e ajudam a entender um pouco desse povo.
Mento, o pai dos ritmos jamaicanos.
No início do século XX grande parte da população jamaicana era composta de camponeses descendentes de escravos, que mantinham as cultura dos povos africanos viva no que restara dos antigos maroons (quilombos). Foram nessas comunidades que surgiu o “mento”, um estilo musical que unia a cultura africana, nítida nos cantos de chamada e resposta e nos tambores que faziam a percussão, junto com elementos da música européia trazidos pelos colonizadores ingleses e espanhóis.
Muito similar ao calipso – ritmo que teve origem na ilha de Trindad -, o mento se tornou a típica música rural da Jamaica. Suas letras contavam histórias ou retratavam o cotidiano no campo. Os instrumentos utilizados eram, principalmente, o saxofone e a flauta de bambu, violão, banjo, tambores e também a marímbula, conhecida na ilha como rumba box.
Ainda no começo do século, muitos camponeses começaram a deixar a vida rural para tentar ganhar a vida nas cidades, como a capital Kingston, levando o mento consigo. A partir daí surgiram as primeiras gravações e a indústria fonográfica jamaicana começou a caminhar. Diversos artistas destacavam-se nas rádios e nos festivais, como Sugar Belly. Foi na região urbana que o estilo foi se transformando aos poucos, ganhando influência de outros ritmos, principalmente o jazz.
Por volta de 1950 a diáspora dos moradores do campo aumentou e o mento, que falava principalmente sobre as dificuldades da vida rural, foi perdendo popularidade. Junto disso, o R&B vindo dos EUA conquistou o público jamaicano, que procurava por algo mais dançante.
Mesmo com a decadência, o mento é muito influente na Jamaica. Sua levada serviu de inspiração, principalmente, para os artistas de reggae que vieram em seguida. Até hoje existem grupos musicais que ajudaram a manter o estilo vivo através das décadas, entre eles o Jolly Boys.
Ska e o início da popularização da música jamaicana
A popularidade do R&B na Jamaica fez com que instrumentos de bambu e o banjo fossem aos poucos sendo deixados de lado. Muitos artistas da ilha também começaram a se aventurar nesse novo estilo, deixando a música jamaicana mais americanizada. Porém, no início da década de 60, o DJ Prince Buster juntou a música vinda dos Estados Unidos com elementos que ele havia escutado em rituais rastafari. O resultado foi a música “Oh Carolina” (que teve uma versão que estourou no mundo na voz do rapper Shaggy) e o surgimento de uma nova febre na Jamaica: o Ska.
Além de ser um novo ritmo, o ska era uma forma de reafirmar a cultura Jamaica e ganhou força no ano de 1962, quando a ilha se tornou independente da Inglaterra. Primeiramente, o ritmo conquistou os guetos e em pouco tempo já era febre nas dancehalls de toda a ilha.
Com uma levada dançante, o ska tinha uma forte presença dos instrumentos de sopro, como o trombone e saxofone. As bandas, inspiradas nas big bands americanas, eram compostas por um grande número de músicos, que viajavam a ilha fazendo shows em rádios e dancehalls. Uma que recebeu grande destaque foi a Skatalites, chegando a gravar com nomes que fizeram muito sucesso posteriormente, como Jimmy Cliff, Peter Tosh e Bob Marley.
O ska virou uma febre, e a indústria fonográfica jamaicana trabalhava a todo vapor. A grande maioria das músicas eram escritas e gravadas em uma tarde, para à noite serem tocadas nos bailes. Esse processo fez com que os artistas focassem em gravar compactos ao invés de discos inteiros e o baixo poder aquisitivo dos jamaicanos não permitia que eles comprassem o que era gravado. Junto à isso, nenhuma grande gravadora investia no mercado jamaicano fazendo com que o público ficasse nichado.
Com a Jamaica independente, muitos jovens passaram a emigrar para a Inglaterra em busca de empregos. Os rude boys, como eram chamados os jovens marginalizados da época, apresentaram o ska para a classe operária inglesa, criando a segunda fase do ska.
Um dos principais grupos responsáveis por difundir o ska em terras britânicas foi o próprio Skatalites. O ritmo caiu na graça dos ingleses, a partir daí começaram a surgir diversos grupos interracias, sendo o principal deles o The Specials.
Os jovens operários ingleses adotaram o estilo dos rude boys jamaicanos, usando roupas inspirada no visual dos gangsters de filmes americanos, e também passaram a frequentar bares e danceterias de música negras. Foi a partir dessa fusão que o surgiu o movimento skinhead, que na sua origem não pregava segregação racial e ideologias facistas.
Já na música, o ska influenciou o punk inglês, principalmente no início dos anos 70. Muitas bandas, como o The Clash, começaram a utilizar melodias típicas jamaicanas em suas composições. Essa mistura de culturas da segunda fase do ska ficou conhecido como 2 Tone Ska, nome derivado da gravadora 2 Tone, do tecladista do The Specials, Jerry Dammers .
Mais recentemente o ska passou por sua terceira fase, que ficou marcada pelo reconhecimento mundial. Um bom exemplo disso foi o surgimento do ska punk, que teve seu auge no final dos anos 90 e início dos anos 2000. Bandas como Less Than Jake, Rancid e Goldfinger uniram a batida punk, muito popular entre os jovens dessa época, com os típicos instrumentos de sopro e ritmo do ska jamaicano.
Rocksteady: o ritmo que originou o reggae
Com a alta demanda por novos sons provocada pelo ska nos anos 60, os DJ’s e donos de dancehalls jamaicanas estavam sempre a procura de algo novo que pudesse animar as festas, dando espaço para novos experimentos que proporcionaram a criação de um noco estilo musical.
O rocksteady é o que mais temos de parecido com o reggae atual. Um dos primeiros registros desse ritmo surgiu quando o músico Hopeton Lewis sugeriu que diminuíssem o bpm de um ska para que assim a métrica da sua letra se adequasse à batida. O resultado disso foi a música “Take it Easy”.
Muitos fatores são discutidos para explicar a evolução e popularidade do rocksteady. Um deles, é de que os instrumentistas de ska estavam ficando insatisfeitos com a baixa remuneração e alta demanda por música, abrindo espaço para novas influências. Os metais deram espaço à guitarra e ao baixo, vindos do rock n roll e do blues, e os vocais passaram a receber mais destaque.
Os jovens jamaicanos logo se identificaram com o ritmo, principalmente pelas letras, que falavam sobre o cotidiano da vida urbana na Jamaica, que se industrializava rapidamente. As primeiras canções tinham como principal tema os rude boys, aqueles mesmos responsáveis por difundir o ska na Inglaterra.
O surgimento do reggae e a internacionalização da Jamaica
Foi no auge do rocksteady, no ano de 1966, que Bob Marley retorna dos Estados Unidos e junta novamente sua banda, o The Wailers. Nessa mesma época, a religião rastafari se difundia entre os jovens jamaicanos, por conta da visita de Estado do imperador da Etiópia, Haile Selassie.
Nessa época, existiam vários músicos e bandas produzindo rocksteady, inclusive o grupo de Marley. A verdade é que a Jamaica passava por um intenso processo de experimentação musical, cada vez mais novos elementos eram testados e a música jamaicana ia se transformando aos poucos.
Tais experimentos vieram junto com uma nova leva de músicos, como Earl “Chinna” Smith, Max Romeo e Aston “Familyman” Barret. As principais mudanças feitas por eles foram destacar ainda mais guitarra e bateria, deixar o baixo menos melódico e mais pulsante e mudar a forma de cantar. As letras começaram a soar mais ásperas e o canto acompanhou a mudança, isso foi um reflexo dos protestos e reivindicações da população na época que sofria, principalmente, com a pobreza e o desemprego. Essas mudanças fizeram surgir o roots reggae, ou reggae raiz.
Uma das teorias sobre o surgimento do nome reggae é que essa seria a onomatopéia do som feito pela guitarra nas canções.
A desigualdades social, o crescimento do rastafarianismo e a empolgação de uma recém independente Jamaica foram a combinação perfeita para transformar esses músicos em porta-vozes da comunidade pobre. As primeiras canções nesse novo estilo, como “People Funny Boy” de Lee Perry e “No More Heartaches”, dos Beltones deixavam claro o sentimento das pessoas que viviam na ilha.
Dentro da Jamaica o reggae já havia se consolidado, porém ainda precisava ganhar o mundo. Os primeiros passos para a internacionalização do estilo se deram com as comunidades jamaicanas em outros países, principalmente a inglesa, que já havia formado uma forte base de entusiastas do ska. Porém, foi no início da década de 70 que o maior nome do reggae surgiu para o mundo e se tornou responsável por divulgar o estilo.
Bob Marley e sua banda, o The Wailers – que contava com outros grandes nomes da música jamaicana, como Peter Tosh e Bunny Wailer – já tinham pelo menos sete anos de estrada e estavam estabelecidos na Jamaica, porém buscavam o mundo. O grupo começou fazendo uma turnê na Inglaterra, onde conheceram Chris Blackwell, dono da gravadora Island.
Esse encontro proporcionou ao The Wailers um contrato com a gravadora e logo começaram a produzir um novo disco. O foco deste trabalho era claro: conquistar o público do rock. Para isso, primeiramente, eles gravaram o álbum como uma unidade, diferente do que era feito na Jamaica, onde a maioria deles eram coletâneas. Músicas como “Stir it Up”, de Marley e “Stop That Train”, de Peter Tosh, foram regravadas para poderem se adaptar à nova proposta.
As músicas também ficaram mais longas e mais “limpas”. O baixo perdeu destaque e a guitarra foi ressaltada, junto disso foi adicionado teclados e uma percussão básica. Toda essa mistura deu origem ao disco “Catch A Fire”, um marco para a história do reggae.
Essa nova pegada ficou conhecida como “reggae internacional” e é a principal inspiração para muitos artistas que surgiram posteriormente ao redor do mundo. Entretanto, parte da adaptação para os padrões mundiais foi mudar o nome do grupo para “Bob Marley and The Wailers”, assim destacando Bob como o líder e vocalista principal, já que o formato com três cantores era considerado ultrapassado para os produtores da época. A mudança não agradou Peter Tosh e Bunny Wailers, que deixaram o grupo e focaram em sua carreira solo.
No Brasil, o reggae tem uma base forte no Maranhão, sendo sua capital São Luiz conhecida com a “Jamaica Brasileira“. Gilberto Gil, foi um dos principais entusiastas do estilo em terras tupiniquins, gravando em 81 o disco “Kaya N’gan Daya”, um tributo à Bob Marley, que contém covers e versões feitas, em português, por Gil dos clássicos do músico Jamaicano.
O sucesso de Marley foi estrondoso e sua morte, em 1981, foi muito sentida. Seu legado foi passado para as novas gerações ao redor do mundo, que buscam espalhar os ensinamentos do reggae e manter o estilo vivo, adicionando novos elementos para acrescentar ainda mais na sua musicalidade. É comum vermos novos grupos que utilizam uma pegada mais eletrônica e moderna, mas também há os mais saudosistas, que focam nos tambores rústicos da percussão e em instrumentos de sopro para não perderem as origens do reggae roots.