Transforma culturas e consciências

Daniela Damiati

Nesta edição, temos o prazer de apresentar Daniela Damiati Ferreira, uma profissional que conecta estratégia a propósito e traduz os valores de diversidade, equidade e inclusão em ações concretas.

Liderança para transformar culturas e consciências

Nesta edição, temos o prazer de apresentar Daniela Damiati Ferreira, uma profissional que conecta estratégia a propósito e traduz os valores de diversidade, equidade e inclusão em ações concretas. Com atuação consistente no setor corporativo, ministra o curso Liderança Inclusiva e é co-autora do livro Mulheres ESG, Daniela trabalha para transformar não apenas ambientes de trabalho, mas também consciências. 

“Não há dinheiro no mundo que justifique falhar com as pessoas ou colocá-las em segundo plano. Equidade, justiça social e justiça climática são compromissos — formas de respeitar profundamente os seres humanos.” Daniela Damiati Ferreira 

Como você vê o papel da liderança e do propósito no enfrentamento dos desafios globais atuais, como a sustentabilidade e a inclusão social?

Vejo o papel da liderança como absolutamente central nesse processo. Vivemos uma era em que liderar vai muito além de bater metas: trata-se de inspirar o melhor das pessoas, conectar-se genuinamente com elas e gerar impacto positivo. Líderes com clareza de propósito são capazes de mobilizar pessoas em torno de causas urgentes, como a equidade social e a justiça climática, além de transformar essas causas em políticas, processos e cultura. 

O propósito, quando genuíno, funciona como um farol ético que orienta decisões, mesmo diante da complexidade. É isso que diferencia lideranças transacionais de lideranças transformadoras. Mas isso não pode ficar só no discurso. É preciso coerência: walk the talk. Também é necessário coragem e uma curiosidade genuína, ou seja, interesse real pelas pessoas, para provocar as mudanças que precisamos no mundo. Isso exige posicionamento, disposição para conversas difíceis e compromisso com a transformação, mesmo em momentos adversos. 

Quais ações ou iniciativas você vê acontecendo hoje no mundo que podem inspirar indivíduos e organizações a adotarem práticas mais responsáveis e sustentáveis?

Há inúmeras iniciativas inspiradoras no mundo hoje, que mostram como é possível conciliar propósito, impacto social e sustentabilidade em diferentes setores. No setor privado, empresas como Patagônia (EUA) e Natura (Brasil) são exemplos de negócios que têm a sustentabilidade integrada às suas estratégias e práticas cotidianas. No setor acadêmico, destaco a USP, que por meio do programa USP Diversa, promove ações afirmativas, inclusão estudantil e acessibilidade, levando a um avanço significativo no compromisso com a equidade no ensino superior. No setor público, vale mencionar a parceria entre o Ministério da Igualdade Racial e a Ouvidoria-Geral da União, que resultou em um projeto inédito de formação de multiplicadores em educação étnico-racial, além da criação de protocolos para acolhimento e tratamento de denúncias de racismo. A Tree Diversidade, consultoria onde atuo atualmente, teve o privilégio de apoiar essa iniciativa.  

Outro exemplo relevante é o estudo Perfil Social, Racial e de Gênero das 1100 Maiores Empresas, do Instituto Ethos, do qual também participei, que oferece dados fundamentais na agenda de inclusão, para diagnósticos mais precisos e ações baseadas em evidências. E não podemos esquecer ainda de iniciativas pessoais, que também são profundamente transformadoras. Como o caso do fotógrafo Sebastião Salgado, que utilizou seus recursos para restaurar uma fazenda familiar degradada, transformando-a em uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN). Ou da Adriana Barbosa, mulher preta que, após superar inúmeros desafios, criou a Feira Preta, o maior evento de cultura e empreendedorismo negro da América Latina. Essas ações são inspiradoras, mas, sem políticas públicas centradas nos interesses da sociedade, ao invés dos interesses políticos, educação de qualidade e uma dose de coragem e iniciativa pessoal, essas transformações seguirão sendo nichadas, e não de larga escala. 

Vivemos um momento paradoxal: a inteligência artificial está moldando o futuro, ao mesmo tempo em que a sociedade clama por mais humanidade. A IA, se bem orientada por princípios éticos e focada em justiça social, tem um potencial imenso para ampliar o acesso a direitos, combater desigualdades históricas e apoiar processos reparatórios, inclusive os ambientais. Acredito que ainda não conseguimos mensurar o quanto ela pode ser transformadora, desde que bem utilizada e treinada para não reproduzir os vieses discriminatórios já existentes na sociedade. Mas a verdadeira transformação virá do encontro entre tecnologia e conexão humana. Precisamos aprofundar experiências coletivas, vínculos de solidariedade e cuidado mútuo. Iniciativas que promovem escuta ativa, valorizam a pluralidade de vozes e geram pertencimento mostram que não se trata apenas do que fazemos com a tecnologia, mas de como e para quem fazemos. A inspiração está tanto no avanço tecnológico quanto na capacidade de cultivar espaços genuinamente humanos. É nessa interseção que reside a sustentabilidade mais profunda: aquela que transforma sistemas e também consciências. 

Quais lições ou histórias de transformação pessoal ou profissional você gostaria de compartilhar que poderiam inspirar outros a liderarem com propósito?

Eu tenho um mantra: pessoas importam. Líderes que não se importam com pessoas não são bons líderes e ponto final. Uma boa liderança exige interesse genuíno pelo outro, para então encontrar a melhor forma de trabalhar com essa pessoa, e não apenas moldá-la às suas expectativas. No meu caso, a maternidade tem sido uma das maiores escolas de liderança. A parentalidade, para quem se entrega a ela, traz lições valiosas sobre escuta, empatia e adaptação, que são absolutamente aplicáveis ao ambiente de trabalho. 

Outra lição que sempre compartilho com profissionais e organizações é: aprenda com o erro dos outros também, seja de pessoas ou de instituições. Errar nos transforma sim, mas não precisamos aprender apenas pela dor. Tive a oportunidade de trabalhar em uma grande empresa do varejo após uma crise severa relacionada à diversidade. Fui responsável pela implementação de um robusto plano antirracista, com dezenas de ações estruturantes. Essa experiência não só gerou transformação interna como também serviu de inspiração para que outras empresas reconhecessem a importância de agir antes que uma crise aconteça. Aprendi muito também com lideranças que não foram bons exemplos. Essas experiências me mostraram exatamente como não liderar, e reforçaram ainda mais minha convicção de que escuta, respeito e individualização são essenciais para qualquer liderança verdadeiramente eficaz. 

Não espere uma crise, institucional ou relacional, para mudar. Aprenda com os erros alheios e seja melhor desde já.